segunda-feira, 23 de abril de 2018

Por que se acende uma vela a Deus ou a um santo?

Por que se acende uma vela a Deus ou a um santo? Para comprá-los a fim de alcançar uma graça? Ou para apaziguá-los a fim de ficarmos livres de um mal que nos atormenta ou de uma desgraça que nos ameaça? Nem um nem outro. O sentido da vela acesa é muito mais nobre e mais profundo.
Símbolo de consumação
Deus é nosso Criador e nós, suas criaturas; quer dizer que tudo o que somos e tudo o que temos nos foi dado de graça por Deus. Por conseguinte, seu poder sobre nós é absoluto e seus direitos ilimitados. Pode até exigir a nossa própria vida em sacrifício.
Os povos pagãos reconheciam esse direito a seus deuses. Por isso ofereciam-lhe sacrifícios humanos (crianças, geralmente, por causa de sua inocência), para acalmar a sua ira ou conseguir o que desejavam.
A Bíblia nos diz também que o Deus verdadeiro exigiu uma vez um sacrifício humano; pediu a Abraão que lhe sacrificasse seu filho único Isaac. Abraão obedeceu. Mas no instante em que segurava a faca para matar o filho em cima da fogueira, Deus enviou seu Anjo que reteve a mão do pai e substituiu o filho por um carneiro (Gn 22). Deus mostrava, assim, que os sacrifícios humanos não são agradáveis a seus olhos e que só quis pôr à prova a fidelidade e a obediência de seu servo.
Na história da humanidade houve um só sacrifício de seu próprio Filho feito homem, nosso Senhor Jesus Cristo, na cruz, para a salvação e a redenção do gênero humano. Esse sacrifício continua renovando-se misticamente, de modo incruento, onde houver um sacerdote e um altar.
Que relação pode haver entre um sacrifício e uma vela acesa? A vela acesa substitui diante de Deus a pessoa que a acende: Fica se consumindo, como se fosse um holocausto oferecido a Deus. O holocausto era, na Antiguidade e na lei mosaica, o sacrifício mais perfeito, porque por ele a vítima era oferecida a Deus e queimada por inteiro em reconhecimento a seu poder e direito absolutos sobre quem a oferecia. A vela acesa ê um holocausto em miniatura. A pessoa compra a vela que passa a lhe pertencer, a ser sua. Acende-a para ser consumida em seu lugar.
Uma vela acesa a Deus simboliza, portanto, a adoração e a entrega total de quem a acende ao Deus Todo Poderoso, Senhor e Criador de todos os seres. Uma vela acesa a um santo tem o mesmo simbolismo, só que este sacrifício é oferecido a Deus por intermédio deste ou daquele santo.
É claro que está longe de ter o mesmo valor do sacrifício eucarístico, cujo valor é infinito, visto que por ele é o próprio Homem-Deus que se oferece a seu Pai. Mas nem por isso deve ser desprezado ou abolido.
Deve-se, sim, evitar a má interpretação e o exagero, isto é, evitar dar-lhe maior valor do que ele tem. Vela acesa é, pois, símbolo de consumação.
Símbolo de Cristo, Luz do mundo
A vela acesa tem também outro simbolismo. Irradiando luz iluminadora, simboliza Cristo «Luz do mundo», conforme ele próprio se qualificou. Por isso, nos ofícios litúrgicos, usam-se freqüentemente velas acesas, sobretudo durante a semana santa e o tempo pascal. Mas o dia da luz é o sábado santo, de noite, Vigília da Páscoa {os fiéis, aliás, chamam este dia de Sábado da Luz}. Nele, antes da divina liturgia, procede-se à bênção solene da luz: o sacerdote benze, atrás do altar, uma vela acesa e, depois, de frente para os fiéis, convida-os a acender dessa vela benta, suas velas, dizendo:
«A luz de Cristo ilumina a todos!... Bendito seja o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que ilumina e santifica nossas almas».
E com as velas acesas faz-se uma procissão dentro da igreja ao canto do Salmo 147.
No domingo da Páscoa, ao iniciar a cerimônia da entrada triunfal de Cristo que precede a liturgia da ressurreição, o sacerdote, segurando o círio pascal aceso, convida os presentes a acender dele os seus círios, dizendo: "Vinde, tomai luz da Luz sem ocaso e glorificai o Cristo que ressuscita dos mortos". E todos saem da igreja em procissão com velas acesas, para o anúncio da ressurreição de Cristo, pela leitura do evangelho próprio e o canto, várias vezes repetido, do hino da ressurreição:
«Cristo ressuscitou dos mortos;
venceu a morte a pela morte,
e aos que estão nos túmulos
Cristo deu a Vida».
Depois, o celebrante bate na porta fechada, exigindo sua abertura e entra primeiro, seguido dos fiéis, sempre com velas acesas, ao canto do Cânon da Ressurreição. É claro o simbolismo das velas acesas: Cristo ressuscitado, luz sem ocaso.
Esse simbolismo, encontramo-lo também no sacramento do batismo, chamado também sacramento da iluminação. Depois de batizar a criança, que passa, assim, das trevas do pecado para a luz da graça, o sacerdote manda, acender as velas que os presentes seguram na mão e proclama: «Bendito seja Deus que ilumina e santifica todo homem que vem a este mundo».
Em qualquer cerimônia litúrgica, em especial na "Divina Liturgia", acendem-se velas no altar para simbolizar de um lado a consumação da criatura diante do Criador, o sacrifício de Cristo em substituição à humanidade; e de outro lado, porque é Cristo que está se sacrificando, ele que é a «Luz do mundo».
A exemplo de seu fundador, que usou coisas materiais (pão, vinho, água, óleo) para significar coisas imateriais e até para transformá-las em seu corpo e sangue, a Igreja usa também o material para esse fim (velas, incenso, ícones, etc.); nossa natureza, que é um misto de matéria e de espírito, o requer. Não sendo o "homem nem anjo nem simples animal" só pode alcançar o espiritual e o sobrenatural por intermédio do sensível e do natural. Sejamos humildes e aceitemos nossa natureza como ela é.

Fonte: Seara Ortodoxa, 1999.
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